Há formas de irrelevância que não se sentem como queda, mas como costume.
O Uruguai institucional, reputado, sensato, continua acreditando que basta não incomodar para continuar existindo.
Mas a nova ordem não premia a virtude: premia a utilidade.
Hoje, o poder global não se disputa com grandes declarações, mas com capacidades concretas.
O que organiza o mundo não é a ideologia, mas a função.
E o que fica fora do desenho funcional simplesmente deixa de contar.
Enquanto os Estados Unidos encenam, a China estrutura.
Enquanto a Europa hesita, a Ásia integra.
Enquanto a América Latina reage, a África planeja.
Nesse tabuleiro, o Uruguai não precisa desaparecer.
Mas pode se dissolver sem escândalo, como um coadjuvante que esquece sua fala.
A neutralidade, transformada em bandeira, deixou de ser estratégia para se tornar desculpa.
A reputação, celebrada como ativo, deixou de ser instrumento para virar narrativa.
E o país, em vez de se transformar numa plataforma de valor operacional, insiste em se narrar como exceção moral.
A verdade tácita é brutal: o mundo já não precisa de testemunhas.
Precisa de nós.
O século XXI não gira em torno da democracia, da soberania ou do comércio.
Gira em torno da estabilidade funcional, da previsibilidade digital, da densidade simbólica.
Gira em torno daquilo que não se diz, mas organiza: infraestrutura crítica, algoritmos de obediência, acordos subterrâneos, plataformas de presença.
A China não vem evangelizar.
Os Estados Unidos já não competem por almas.
Ambos disputam portos, satélites, conectores, sistemas de certificação.
E nós seguimos discutindo se devemos “nos abrir ao mundo”.
A pergunta já não é se devemos nos abrir.
É se temos algo a oferecer quando o mundo chegar.
E se essa oferta se baseia em capacidades reais, não em autoimagens.
Talvez o problema não seja político, mas narrativo.
O Uruguai continua se pensando como república ilustrada, quando o mundo opera como rede pragmática.
Continua agindo como se a história fosse uma sucessão de méritos, quando na verdade é uma arquitetura de funções.
E nessa arquitetura, só subsiste o que serve.
O que organiza.
O que resolve.
Isso não é uma condenação.
É um convite.
A deixar de pensar como testemunhas e começar a pensar como nó.
A sair do plano da presença diplomática e entrar no da funcionalidade estrutural.
A pensar o poder sem necessidade de exercer violência, nem de reclamar atenção.
O mundo não caminha para a barbárie, nem para o apocalipse.
Caminha para uma ordem mais implícita.
E aí, o tácito volta a ser o centro.
Porque o tácito não é o oculto: é o que sustenta sem ser nomeado.
O Uruguai que quiser existir nesse mundo não deve imitar nada.
Mas deve lembrar de algo: a verdadeira soberania não se declama.
Ela se desenha.
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